José de Alencar

Biografia | Obra: trecho da obra Iracema

Biografia
No dia 1° de maio de 1829, há exatos 170 anos, nascia num sítio em Messejana o escritor cearense José de Alencar.
Um retrato falado, na saleta da casa, dá uma idéia física do moço barbudo: "olhos castanhos, encapelados, indagadores e melancólicos. Corpo ossudo, franzino". Continua, adentrando a personalidade do mesmo: "taciturno, misantropo, irreverente, sensível, romântico, crítico implacável e excessivamente apaixonado pela leitura e escrita". Esta aí a deixa para se vislumbrar vida e obra do tal moço.
Ele nasceu meio pelo avesso, filho de padre. Deputado pela província do Ceará, o religioso José Martiniano de Alencar se engraçou com a prima Ana Josefina. ``Por fragilidade humana'', como o próprio declarou no testamento. Teve oito filhos. O primogênito: José Martiniano de Alencar Júnior, nascido em 1° de maio de 1829, há exatos 170 anos, num sítio em Messejana.
Alencar, filho, gastou a década inicial da infância por ali. Entreteu-se no primeiro engenho a vapor do Ceará, implantado pelo pai no quintal. Ia e vinha, o menino apelidado Cazuza, transitando pela casa maior, ao lado da miúda. Obra também do velho Alencar, pai (e padre), que abrigava a prima na casinhola.
A família se muda para o Rio de Janeiro em 1834, quando o padre Alencar assume o senado. Cazuza inicia os estudos e as leituras. É na Faculdade de Direito, em São Paulo, que a vista míope mira Chateaubriand, Alexandre Dumas e Victor Hugo. Some-se a estes, George Sand, Walter Scott, Dickens, Shakespeare, Alexandre Herculano, Joaquim Manuel de Macedo. Acrescente-se o movimento romântico e ainda assim não se dá conta da obra escrita por José de Alencar.
Considerado um dos maiores escritores do Romantismo brasileiro, ele apresenta uma produção literária comumente dividida em romances urbanos, indianistas, regionalistas e históricos. A estréia na literatura deu-se via jornalismo. Em 1854, escreve crônicas no Correio Mercantil. Aí, publica Cinco Minutos, em folhetins (1856). A Viuvinha, em seguida, desencadeia obras que desnudam o modo de vida na Corte. A burguesia negocia casamentos e amor.
É na linha indianista que Alencar escreve o nacionalismo. O Guarani (1857) traz o índio herói e identidade de uma nação independente. Buscava-se um representante da raça brasileira. Alencar encontrou uma virgem indígena dos lábios de mel, esboçada numa linguagem extremamente burilada. ``Nacionalidade e linguagem têm fundamentos comuns em Alencar. Nosso ficcionista estiliza a língua literária, fixando uma maneira brasileira de escrever narrativas'', esclarece Leão de Alencar Júnior, professor de literatura da Universidade Federal do Ceará.
Para Leão, ``nos escritos indianistas, o escritor recorre à interação lingüística entre o português e as línguas nativas, para criar uma representação altamente sofisticada''. E nem sempre compreendida. Iracema foi o romance mais atingido pelos críticos, que apontavam o caráter irreal dos personagens, por exemplo. ``A escrita nacionalista-indianista de Alencar pode sugerir uma nova perspectiva de leitura: a resistência da `alma pátria' contra a colonização universal'', pondera Leão. ``As polêmicas criadas em torno da obra de Alencar indicam, certamente, o reconhecimento de sua força literária'', completa.
Também político, o escritor sabia usar a força da palavra. Crítico implacável, ainda no jornalismo, não poupou sequer o imperador Pedro II. Por conta do apoio financeiro imperial dado a Gonçalves de Magalhães e seu poema A Confederação dos Tamoios, Alencar publicou cartas sob pseudônimo, esgarçando a obra daquele tido como o iniciador do Romantismo nacional. Réplicas e tréplicas foram impressas.
A querela com o imperador durou toda a vida política de Alencar, iniciada em 1861 (quando foi eleito deputado geral pelo Ceará, reelegendo-se outras três vezes). Chegou a ministro da justiça (1868) e só não foi senador, no ano seguinte, porque teve o nome vetado por Pedro II. Opondo-se à Lei do Ventre Livre, acabou mal visto pela população. Não tinha a astúcia política e nem a flexibilidade do pai. Entretanto, teve umas idéias um tanto quanto liberais para a fama de conservador: propunha a extinção do poder Moderador e a criação do voto universal (inclusive, para escravos). ``O que gradua a democracia é a extensão do poder e sua duração: quanto maior a delegação de soberania e por maior prazo, menor a democracia'', dizia.
Casado com Georgiana Cochrane, filha de um médico inglês, teve seis filhos. Para eles, deixou a propriedade em Fortaleza. Para a literatura nacional, o olhar encapelado e indagador.

trecho da obra "Iracema"


José de Alencar

Além, muito além daquela serra, que azula o horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. [...]
[...] Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida; deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
- Quebras comigo a flecha da paz?
- Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?
- Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.
- Bem
-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.

 

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