José Régio

Biografia | Obra: Adão e Eva | Obra: Canção da Primavera | Obra: Testamento do Poeta

Biografia
Pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira. Nasceu em Vila do Conde, em 1901 e nessa mesma vila faleceu em 1969. Uma das principais personalidades da geração da revista literária "Presença". José Régio dedicou-se, em diversos gêneros, a uma literatura fascinada pela afetividade e contradições da vida. Estudou em Coimbra, formou-se em fisiologia romântica e exerceu o magistério no Porto e depois em Porto Alegre. Estreou com os Poemas de Deus e do Diabo (1925).
A oposição sempre seria uma das marcas de sua obra, para ele, a tensão entre contrários e conflitos emocionais dificultam ou mesmo impossibilitam a afetividade e a comunicação entre as pessoas e a comunicação entre os seres.
Com João Gaspar, Simões e Branquinho da Fonseca, fundou em 1927 a revista “Presença”, sua poesia evoluiu até cântico suspenso (1968), para uma busca da graça divina, depois de explorar novos caminhos abertos para a psicanálise. Em romances como Jogo da Cabra Cega (1934) e A velha casa (1945-1966), em 5 volumes autobiográficos, e novelas como “Davam grandes passeios aos Domingos” (1941) e “Histórias de Mulheres” (1946), aprofunda-se no tema das dificuldades do convívio.
A obra de Régio inclui poesia, ficção, memórias, teatros e ainda trabalhos de críticas literária e ensaio, reunidos em Antônio Boto e Amor (1938).

Adão e Eva


José Régio

Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
ou melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

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Canção da Primavera


José Régio

Eu, dar flor, já não dou. Mas vós, ó flores,
pois que maio chegou,
Revesti-o de clâmides de cores!
Que eu, dar flor, já não dou.

Eu, cantar já não canto. Mas vós, aves,
Acordai desse azul, calado há tanto,
As infinitas naves!
Que eu, cantar, já não canto.

Eu, invernos e outonos recalcados
Regelaram meu ser neste arrepio...
Aqueceu tu, ó sol, jardins e prados!
Que eu, é de mim o frio.

Eu, Maio já não tenho. Mas tu, Maio,
Vem, com tua paixão,
Prostrar a terra em cálido desmaio!
Que eu, ter Maio, já não.

Que eu, dar flor, já não dou; cantar, não canto;
Ter sol, não tenho; e amar...
Mas, se não amo,
Como é que, Maio em flor, te chamo tanto,
E não por mim assim te chamo?

 

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Testamento do Poeta


José Régio

Todo esse vosso esforço é vão, amigos:
Não sou dos que se aceita... a não ser mortos.
Demais, já desisti de quaisquer portos;
Não peço a vossa esmola de mendigos.

O mesmo vos direi, sonhos antigos
De amor! Olhos nos meus outrora absortos!
Corpos já hoje inchados, velhos, tortos,
Que fostes o melhor dos meus pascigos!

E o mesmo digo a tudo e a todos, - hoje
Que tudo e todos vejo reduzidos,
E ao meu próprio Deus nego, e ao ar me foge.

Para reaver, porém, todo o Universo,
E amar! E crer! e achar meus mil sentidos!..
Basta-me o gesto de contar um verso.

 

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bibliografia: